Fora do contexto
Quase nunca deixo de aceder a responder aos inquéritos telefónicos. Na verdade, a menos que me ache numa fase aguda de mau feitio, recebo-os com um misto de curiosidade e de comiseração pelo pobre mortal que está do lado de lá desfazendo-se em cortesias pré-embaladas e embrulhando-se em frases very fast food, de forma a que eu, do lado de cá, me convença de que sou uma cliente especial. Com alguma pena minha, não me convence. Mas ainda assim divirto-me a ouvir, a responder com o ar mais sério que consigo fazer e a averiguar, provavelmente por deformação profissional, quando é que me fazem uma pergunta atentatória da privacidade do inquirido, porque aí ainda me divirto mais a debater o tema com o inquiridor, tentando-o a recriar o diálogo fora das tais frases pré-cozinhadas.Hoje foi um inquérito da PT. Do lado de lá, uma voz masculina com sotaque africano e, se calhar por isso, mais humana do que o costume. Aquele sotaque estava fora do contexto. Nunca liguei a PT a África, bolas. De repente, dei comigo a pensar que a PT afinal não é tão cinzenta como sempre me pareceu. E lembrei-me, enquanto respondia, de Cabo Verde, das mornas e das coladeras, do mar e da praia, do desassombramento feliz dos caboverdianos. Tudo isto em cerca de cinco minutos, porque eu não controlo as minhas divagações. E pelo meio respondia ao inquérito, que era igual a umas dezenas que já me tinham impingido. No final pediu-me que avaliasse, de um a dez, os serviços da PT. Dei-lhe dez, ao africano.
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