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22.10.03

Escutas justas

A justiça não passa de um princí­pio abstracto, uma mera aspiração, que se tenta, em cada decisão judicial, alcançar e que só encontra a sua verdadeira dimensão quando concretizada. Só tem, evidentemente, sentido falar em justiça quando aplicada uma dada disposição legal a uma situação concreta. Uma lei, por si só, não é justa ou injusta. Justa ou injusta será a sua imposição ou aplicação a um facto e as repercussões que provoca essa imposição ou aplicação na esfera jurí­dica de uma ou mais pessoas.

A possibilidade, legalmente prevista, num processo de natureza penal, do recurso às escutas telefónicas para o apuramento dos factos em investigação é uma mera abstracção. Uma mera previsão legal, potencialmente utilizável, dentro de determinados pressupostos, com vista à descoberta da verdade. Tudo abstracções, meros princípios. E a relatividade não se aplica a princí­pios, com bem nota o besugo.

Daí que proibir, indiscriminada e liminarmente, as escutas telefónicas - sabendo-se que a sua utilização pode ser justa e plenamente justificada na descoberta de indícios da prática de um crime - será tão absurdo como proibir, por exemplo, indiscriminada e liminarmente, as penas de prisão. Trata-se, em ambos os casos, de direitos fundamentais. Se o besugo se ressente com a abstracta violação da privacidade que representam as escutas telefónicas, não posso deixar de concluir que ele defende ainda mais efusivamente o abstracto direito à liberdade.

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