blog caliente.

3.10.03

Chilreios

Um Advogado tem um cliente preso em prisão preventiva no âmbito do "caso da pedofilia".

Esse Advogado assiste ao interrogatório que precede a prisão preventiva e, nele, vê o seu cliente impedido de se defender pelo simples facto de que não sabe exactamente de que comportamentos concretos é suspeito, quando os cometeu, como os cometeu, onde os cometeu e com quem os cometeu.

Entretanto, e porque os Tribunais em geral (pouco importa se os responsáveis por isso são os super-polícias do Ministério Público, os juízes ou os funcionários) são um verdadeiro "passador" no que respeita à confidencialidade dos processos, a comunicação social começa a publicar detalhes da investigação(e às vezes esquecem-se de usar as palavras "alegadamente" e "terá") . Falsos ou verdadeiros pouco importa.

O dito Advogado de defesa, de cada vez que fala, é um ver se te avias de recomendações do Bastonário para que se cale, de bocas dos comentadores sobre a charlatanice endémica dos Advogados, e mesmo as insuspeitas lolitas deste País atribuem a essas intervenções o epíteto de "chilreios".

Mas, afinal, o Tribunal Constitucional veio dizer qualquer coisa sobre isto.

"Como?", perguntarão os correligionários bloguistas.

É que os ditos passarocos chilrearam bem chilreado junto desse Tribunal, fazendo os seu trabalho bem feito e pondo por escrito coisas tão evidentes que se torna inconcebível (como disse, num discurso de rara clareza, o mais gongórico presidente que alguma vez tivémos) que só o Tribunal Constitucional as tenha apreciado.

Sim, porque foi por causa dos Advogados, e não apesar deles, lolita, que o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se.

Estas decisões do TC foram, assim, uma vitória para todos os que por aqui andamos e que corremos o risco de um dia sermos apanhados na mixórdia em que se transformou a justiça portuguesa. E devêmo-la aos Advogados que não baixaram os braços ante sucessivos atropelos ao Estado de Direito, cometidos por aqueles a quem cabe assegurar que ele existe.

Outro assunto, e antes de voltar a trabalhar que é o que eu devia estar a fazer agora:

A VERDADE, neste processo, é já o que menos importa. Ou há condenação destes arguidos, ou temos um terramoto.

A absolvição daquela malta, ou mesmo de parte dela, constituirá um escândalo que abalará profundamente o País. Metade dele achará que os poderosos se safam sempre, e desacreditará da justiça por isso. A outra metade acordará para o facto de que é possível ser-se inocente e estar preso meses a fio, sem possibilidade prática de defesa, e sujeito a vexame e humilhação pública. E também desacreditará da justiça por isso.

Assim, para quem seja pacífico e goste de ter a ilusão de que tudo está bem, resta-lhe ter esperança de que os tipos sejam mesmo condenados. E, já agora, que sejam mesmo criminosos. Porque as alternativas são péssimas.

Ou então, para quem queira acabar com esta podridão, há que ter esperança na prova da inocência e na consequente absolvição de pelo menos alguns dos presos. Seguir-se-ia o terramoto, mas ao menos podia-se discutir tudo, desde o abcesso que é o MP (tu-cá, tu-lá, quer com os polícias, quer com os juízes, numa posição processual ambígua e perigosíssima) ao corporativismo e às decisões "formalisto-defensivas" dos Tribunais, de que é excelente exemplo a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu ser inútil apreciar o recurso da prisão preventiva do Paulo Pedroso.

Finalmente: recomendo vivamente a leitura do "Inimigo Público" de hoje. A parte do blog do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa fez-me rir (mais que sorrir, como o besugo, fez-me mesmo rir).

Bom fim de semana, colegas bloguistas e improváveis leitores deste blog.

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