Curiosidades da vida animal
Sou muitas vezes procurada pela polícia. Pois. Em geral, porque estaciono onde dá mais jeito e, com menos frequência, porque conduzo depressa. Como todos os delinquentes por habituação, tento sempre fugir antes que o polícia consiga chegar ao meu carro ou, se já for tarde, tento sensibilizá-los para a minha causa de cidadã apressada e de vítima da urbanização desordenada das cidades. E que não gosta de andar muito a pé desde o lugar onde estaciono o carro até ao local do destino. E, então, mandam-me embora com uma paternal admoestação, que eu guardo com carinho e que acato com convicção, até à próxima vez que me acho na contingência de estacionar o carro em local proibido...Mas hoje foi diferente. Quando cheguei ao carro já o papelito da PSP estava no vidro. O agente da autoridade era um homem maciço, enorme, com olhinhos bovinos e assustados a espreitar detrás das pálpebras inchadas. Bolas, o homem era gordo até nas pálpebras. E eu devia tê-lo medido melhor, porque os olhares assustados quase nunca auguram nada de bom. Mas não. Preparava-me eu para lhe suplicar, com um ar submisso, que me tirasse a multa tendo em conta a tal evidência de que eu sou mais vítima do que transgressora, quando sou surpreendida com uma expressão de dor profunda a que se seguiu um grito de angústia: "Oh, mas porque é que não veio o reboque, que era o que você merecia?...". Fiquei uns segundos calada, nem sei se de surpresa ou se esperando não perturbar o seguimento da comédia. E ele antecipou-se outra vez: "É que nem sequer quero ouvi-la a pedir-me para lhe tirar a multa!...". Aquele homem carregava consigo as dores do mundo. E o mundo sofre, efectivamente, quando alguém estaciona em cima do passeio. E eu nem sequer pude abrir a boca para perdir perdão...
Portanto: desisti e aceitei, sem discutir, a minha punição. Vencida por um fundamentalista. O José António Lima é que a sabe toda...
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