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10.9.03

As ilhas do canto

Fernando Tordo escreveu alguns dos seus mais belos poemas e, seguramente, as suas melhores músicas, enquanto esteve desterrado nos Açores. Mais concretamente no Faial, partilhando as sopas de José Decq Mota, destacada figura do PCP regional e, não menos importante que isso, filho dum médico que tratou, a bordo do seu iate ao largo da marina da Horta, o próprio Jacques Brel. Julgo que foi assim que se passaram as coisas.
A Horta e os Açores foram o refúgio temporário do orgulhoso e mimado Tordo, homem talentoso e encurralado cedo pelos estigmas de ter nascido livre e ter percebido que não lhe reconheciam o talento que tinha. E tem.
Há algumas canções dessa altura que são pouco conhecidas, e o próprio cantor-compositor, por motivos que ele saberá, não as divulga como poderia. Os arranjos foram feitos pelo próprio ex-pianista de Brel.
Eu não o conheço, ao Fernando Tordo, nem ele a mim; e Decq Mota é apenas uma figura civilizada e inteligentemente activa que me habituei a ver pelas ilhas, quando lá me desterrei por motivos menos nobres, mas perfeitamente aceitáveis. O trabalho, o vil trabalho.
As ilhas que conheço, ouvi-as. Enquanto as via nas cantigas do Tordo.
Tordo, o mal amado cantor "da dicção demasiado perfeita", inconsequente mas franco nas suas crenças e amarguras, é uma figura respeitável da nossa cultura. Só será, reconhecidamente, um talento marcante, quando a sua vida excessiva o levar de nós, para onde nos levam sempre as nossas vidas.
Se alguém se lembrar que eu disse isto, nessa altura, será suficiente para mim. Mas atenção, para ele não. Ele nunca perdoará que não o tenham ouvido, nas alturas em que o mereceu e nas alturas em que se limitou a ser, como lhe atiraram à cara, "o menino Fernando".

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