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15.9.03

Citando e prevendo

No seu belogue, Pacheco Pereira, derramou-se de lucidez. Penetrou-se de luz, alumiou o espírito e disse isto:

"VOZ PRESA, VOZ SOLTA

Ver um noticiário da RTP Internacional, longe, dá-nos sempre uma visão mais depurada de Portugal. E coisas a que estamos habituados em Portugal surgem aqui mais estranhas. O dr. Portas já é estranho na pátria, e então longe surge completamente bizarro. Vi-o ontem num comício, a fazer de conta que tem a voz solta, quando todos sabemos que a tem há muito tempo presa. Falou de imigração, porque de facto quase não podia falar de nada. E o que disse é puramente ideológico, uma receita política sem sentido, ou melhor, com um outro e mais perigoso sentido do que aquele que ele lhe deu.

Primeiro, falou contra quem? Contra o governo de que faz parte. Os jornalistas, que na sua simplicidade andaram a repetir o dia todo o que o PP lhes disse, que o discurso "seria pela positiva", não perceberam que um ministro não pode dizer aquelas coisas sem estar a falar contra o Ministério da Administração Interna do governo a que pertence. Aquela parte do discurso foi "pela negativa" (acho estas classificações uma treta, mas têm uso corrente porque são enganadoramente simples...).

E depois, o mais grave: convinha que alguém no PP, que saiba alguma coisa sobre imigração e emprego, dissesse ao dr. Portas que em Portugal, em 2003, essa correlação não tem qualquer sentido. Os trabalhadores da Marinha Grande ou as operárias da Clark's não vão trabalhar para a construção civil ou como empregadas domésticas. Os ucranianos e as cabo-verdianas, os moldavos e as são-tomenses não competem com os portugueses e as portuguesas nos empregos que têm, a não ser residualmente. Mas a catilinária contra a imigração do dr. Portas nada tem a ver com o emprego. Tem a ver com um Portugal limpo de imigrantes, e por isso acaba por resultar num discurso contra os imigrantes, tão pouco português que carece de sentido. É copiado da vulgata de Le Pen, do pior que há , e escolhido, não porque constitua qualquer preocupação dos portugueses, mesmo dos da direita, mas apenas porque o dr. Portas não pode falar de quase coisa nenhuma e ele não quer ficar calado."


Provavelmente, Pacheco Pereira vai arrepender-se, um dia destes, deste naco saboroso de prosa. E vai jubilar uma merda qualquer que o Portas faça. É natural, eu entendo estas idiossincrasias. Mas, hoje por hoje, esta croniqueta do "pensativo barbas" é certeira como o arco de Guilherme Tell, apontado à maçã-de-adão do rapazinho vaidosão que, um dia, quis ser estadista quando a sua chinelita lhe pedia, apenas, as tradicionais e compreensíveis aleivosias jornalísticas de mancebo em ânsias de glorificação.

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