blog caliente.

11.11.07

Queimadas



Os homens pararam e disseram-lhe "já está, senhor Custódio".
Ele fez o que a vida inteira lhe mandou fazer: foi ver se já estava.

A prensa estava naquela tensão das prensas depois de já estarem. E já estava. A prensa já estava.
Para o senhor Custódio não se tratava de saber se a prensa já estava. Era de saber se já estava tudo, não era se estava a prensa, era se estava tudo.
Foi ver. Agarrou-se, ele ali magro e velho e tendinoso, ao ferro e deu-lhe mais uma volta. Depois, sempre com o "Porto" entre os beiços, tentou dar-lhe outra volta. A última volta.
Mas a última volta saiu-lhe mal, a última volta só se sabe que é a última quando se sabe mesmo, isto é mesmo assim, de maneira que saltou-lhe um gato da prensa e acertou-lhe na mão direita, gatos que não miam, quem não sabe o que é um gato de prensa que vá saber, a mão direita toda a gente sabe, e aquilo era coisa para dez pontos com anestesia local.

Percebeu que exagerara e que todos o miravam, até o caseiro e o bravo mudo que mandava na pousa, ele, o senhor Custódio, velho e magro e tendinoso e mutilado ali, naquela mistura de sangueira brava e de arrependimento - é que a prensa já estava, ele é que ainda não estava e nunca haveria de estar, e toda a gente sabia isso.

Tirou dos beiços o resto do "Porto" e queimou a ferida toda. Cheirou ali, no armazém, a churrasqueira, mas ele, o senhor Custódio, o meu querido e duro avô que me morreu tão cedo e que me mandava comprar maços de "Porto" a cinco escudos, disse só que "já está, já está, ide mas é pesar o vinho".

Pesar o vinho, num lagar, é uma outra graduação. Um dia conto-vos.

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