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25.11.07

Ontem falaram-me de sociedades de formiguinhas acríticas

No Eixo do Mal desta semana falou-se do processo do cozinheiro seropositivo. O Daniel Oliveira, perorando sobre os esclarecimentos divulgados pelo Conselho Superior de Magistratura, salientava que, segundo explicou o CSM, não se tratou de um despedimento com justa causa, mas antes de um contrato cujo prazo não foi renovado. Porém, não foi nada disto que o CSM veio esclarecer, mas antes que se tratou daquilo que a lei designa por extinção por caducidade do contrato por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestar o trabalho. Está bem claro, na notícia do Público, bastava ler com atenção mediana. Mas enfim: uma vez que o efeito é semelhante, isto nem importa muito. No entanto, referiu-se também que o tribunal tinha ignorado pareceres técnicos que esclareciam não existir qualquer risco de contágio, quando na verdade só os ignorou porque não foram entregues dentro dos prazos processuais. Já isto faz uma diferença maior. Cuidado com os desinformadores.

Pode-se criticar, com efeito, o conteúdo da sentença e a sua confirmação pela Relação de Lisboa; mas não porque, na apreciação dos factos, se ignorou a evidência científica em favor do preconceito obtuso. O que se pode criticar é, antes, o autismo do sistema judiciário, que impede o julgador de promover a obtenção de provas por sua iniciativa ou de pedir pareceres técnicos sempre que a bondade da decisão o exija, tornando o sentido da decisão refém dos elementos que as partes tragam ao processo. Mais: sempre que a consciência social lhe dite, ainda que longinquamente, que só perante uma evidência científica do efectivo risco que representaria um cozinheiro seropositivo para terceiros se poderia legitimar uma extinção de um contrato de trabalho que, de outra forma, seria bolorento, de preconceituoso e desinformado.

Depois há outras coisas estranhas, neste caso grotesco. O médico de trabalho, por exemplo, que se borrifou para o sigilo profissional e divulgou a natureza da doença à entidade empregadora. Não contente com isso, emitiu informação escrita atestando a incapacidade definitiva do trabalhador para prestar o trabalho apesar de tudo e também apesar de o médico que assistiu o cozinheiro o considerar apto para trabalhar.

O mais inquietante de toda esta bizarria é que isto tudo ameaça ser o futuro próximo da (des)protecção social dos mais desfavorecidos, seja por doença, procriação, vício ou handicap. Quem se fragiliza, sai do sistema. Liberalismos à parte, que isto nem sequer obedece a qualquer ideologia (ou pseudo-ideologia) que suscite oposição ou censura.

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