Do costume
Finalmente.Estas últimas semanas foram-me custosas, chafurdei nelas como se fossem uma lenta e mal gostosa gelatina que me tolhesse.
Mas acabaram. Estou de férias. Comecei hoje. Começaram-me hoje.
Para já, ainda estou com saudades de ontem. Ou de mim ontem.
Sabem como é, é sempre assim: espera-se, devagar e ansiosamente, por seja o que for e a demora faz-nos imaginar que vem aí divina dádiva. Vai-se a ver e o que nos chega, como refrigério para a paciente canícula do cansaço, é a terrena dúvida de sempre: e agora?
Amanhã, se for como de costume, começarei a tentar responder à terrena dúvida de sempre, como de costume. Se for como de costume, em cada dia que passar terei menos dúvidas e notar-me-ei cada vez mais distraído de mim. Isso dá-me sempre paz, porque me parece sempre que não é nada comigo, que me assisto apenas a fingir de mim: é uma paz que me banha sem me deixar nunca banhar-me nela, a minha paz não é daquelas águas que correm dentro, nem para dentro, nem mesmo para fora. Não. A minha paz humedece só por fora, poucochinho e pouco tempo.
Cada dia que for tombando, morto, apressará o inevitável processo de evaporação da paz, coisas da física e do sossego frágil. E a minha pele, de novo apenas embalagem de mim, voltará a ficar tão seca como agora ainda está.
Sentir-me-ei chegar cada vez mais perto de mim e, se for como de costume, não apreciarei demais o reencontro.
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