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16.5.06

Dores

O Mário engana-se quando pensa que eu me tomei de dores seja por quem for.

Tomo-me de dores por isto, apenas: não partilho nada do seu conceito de reforma como pensão de subsistência. Não me venha com essa história de isso ser um princípio de esquerda, que não me leva por aí. Então agora temos, para os nossos velhos (eu não sou, caramba, aguardam-me ainda 20 anos de trabalho, se tudo correr bem), no fim da vida, o princípio da esmola? E isso é de esquerda? É que nem de direita é, é um atropelo à dignidade!

Era com isso que, aliás, eu tentava brincar consigo, sem dores nenhumas, quando lhe disse que só queria 500 euros (daqui a 20 anos), para os cromos da bola dos netos e para a sandocha.

O meu amigo parte do princípio de que eu terei, entretanto, até á velhice, amealhado? Ou investido? E que, nessa altura, estarei confortavelmente instalado? Mas parte mal. Sabe porquê? Porque é o Estado que tem amealhado por mim, desde há vinte anos. E que amealhará durante outros vinte. Pelos vistos não amealha bem, não gere bem o que amealha e não dedica uma séria pesquisa aos profissionais liberais - e a outros, sim, admito -(a mim e aos tipos como eu nem sequer precisa, fica logo lá tudo) para penalizar os que não cumprem as suas obrigaçoes para o mealheiro.

Dirá o Mário que amealhando mais não geririam melhor o mealheiro, e que daria no mesmo; e que eu digo isto por alto, que nem sequer tenho números: não tenho, de facto, é bem capaz de ter razão, aí.

Mas repare nisto: vem, preocupado, dizer-me que as reformas de mais de 5000 euros são imorais, porque há quem tenha reformas muitíssimo baixas. E que isso que diz é de esquerda.
Eu não acho. Acho é que é um bocadito manipulador. Se o Mário pensasse mesmo como diz e isso o importunasse estaria preocupado, desde já, mas era agora mesmo, e se calhar há muito tempo, com quem passa 36 anos da sua carreira contributiva a ganhar menos de 150 contos por mês. Que é muita gente. Mas não: o Mário deixa-os andar assim e só se preocupa em nivelar (e por baixo) os vários escalões da nossa global miséria - e por baixo - na velhice. Exactamente como quê? Como prémio de sobrevivência? É mesmo assim que pensa?

Desculpe, mas continuo sem entender muito bem a sua opinião. Que não há dinheiro nem sustentabilidade, já ouvi. Já me disseram. Deve ser verdade. Penso, até, que se esticou demais a corda.
Mas recuso-me a aceitar a ideia que me parece que vem daí, do seu lado: o Estado amealhou pouco, distribuiu mal, geriu pior, facilitou na fiscalização, perdoou ou fechou os olhos a muitas coisas e, agora, qualquer dia, não há mais. Muitíssimo bem, se calhar não há.

Mas olhe que isso não me impede de pensar que não sou culpado de nada disso (eu e outros, muitíssimos outros) e que, aos 65 anos, no fim da minha carreira (que não é só contributiva, é também uma carreira - ou espero que seja, e que continue a ser - produtiva, limpa e digna) será (ou seria) um direito meu poder manter o meu nível de vida.

Aceito perfeitamente esta medida de alargar os "cálculos finais de mim" a um número maior de anos da minha carreira profissional e contributiva, o que reduzirá substancialmente os meus proventos na altura das fraldas XL, até porque já não terei, querendo Deus, que sustentar os filhos (mas terei, talvez, doenças; e que me tratar delas, cada vez mais, a expensas minhas) e não me pedirá o Estado que continue a alimentar-lhe tanto o mealheiro: ou seja, se eu ganhar 5000 euros (que não ganho), dos quais só vejo, habitualmente, 3500, faz sentido que me entreguem, na velhice, apenas esses mesmos 3500, limpinhos. É justo. Mas é o máximo que concedo do ponto de vista da justiça social que, repito, não é estandarte que se levante, apenas, na velhice, quando já nem com estandarte nenhum se pode bem, para corrigir erros cometidos com jovens empresários e suas engenharias fiscais pré-falência, com habilidosos liberais (liberais? ou trafulhas? é diferente, eu sei) que se regem pelo recibo transparente e com muita incompetência e oportunismo da parte de quem foi fechando os olhos a estas coisas.

Eu digo-lhe, com estima, duas coisas:

A primeira é que, em relação ao que me conta de colegas meus (deu isso como exemplo) que se terão dedicado à vida pública em exclusividade, já em fim de carreira, para poderem ter melhores reformas, eu não lhe posso dizer se tem razão ou não. Nenhum deles (dos poucos - olhe que são muito poucos, mesmo - que conheço) me disse que o fazia por isso. Se o fez, foi manhoso, aproveitou uma lei mal feita, mas o Estado permitiu-lhe isso. Lá está, má gestão de recursos e doutras coisas. Mas a lei deve tê-lo permitido, não? Não é bem a mesma coisa que vigarizar o Estado indefeso nos impostos que se não pagam. E das intenções dos outros seremos sempre juizes levianos.
Mas eu aceito que a mulher de César deve parecer honesta e, aí, estou consigo: a ser assim, parece-me mal. Também me parece mal, como o resto que já disse. Repare que dificilmente um tipo de 50 ou 55 anos, que sempre optou, nos 25 ou 30 anos anteriores da sua carreira, por um regime de 35 horas - para poder fazer privada- , passará por ser gente de bem (neste particular engenho) se se decidir pela dedicação exclusiva ao serviço público numa altura da sua vida em que, é legítimo pensar-se, não se apresenta, já, na sua pujança inteira para o servir. Devia, se calhar, a ser assim, ser-lhe recusada a dedicação exclusiva. E podia ter sido.
Repare que nem aqui me tomo de dores: eu estou assim há vinte anos. Já vê que não é comigo, isso. Nem você disse que era, de facto, eu sei.

A segunda, é que passe os olhos por isto, do Francisco José Viegas. Concordo com quase tudo o que lá está.
Você pode dizer-me, porque sabe que sou um defensor do sistema público, tanto que me gasto nele, que "tu concordas só porque ele não fala ali do FCP"! Mas não é verdade. Concordo com coisas que ele escreve e diz sobre o FCP, da mesma forma que não me parecem bem algumas outras opiniões que ele veicula, porque pode e deve, aliás - se quiser - fazê-lo. Isto é normal.
Aliás, mesmo no texto que lhe aconselho (e que, se calhar, já leu, eu é que só li há bocadinho), devo dizer-lhe que não apreciei o que ele insinua sobre as paternidades da insustentabilidade, ou sobre a sua manutenção, quando afirma que "os socialistas garantiam nessa altura que podíamos continuar a viver sem a espada sobre a cabeça", porque isto é chamar nomes ao pai esquecendo a mãe e a restante família: não foram os socialistas, foram governos sucessivos de coloração dupla - ou mesmo tripla.
Já com isto, crente na coisa pública como reafirmo ser, estou de acordo, na generalidade: "Parte dos problemas vem de as pessoas abdicarem de defender as suas ideias e interesses em benefício do que seriam os "interesses colectivos". A história ensina-nos que os "interesses da sociedade" são sempre os interesses de quem os interpreta".

O Mário pode dizer-me que isto não vem a propósito, mas acaba por vir. E até aborda outras coisas que tem escrito nos últimos dias.

Um abraço.

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