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5.2.06

O paiol

Sempre estranhei as pessoas que não têm suficiente sentido de humor para se rirem de si próprias porque se tomam, a si e àquilo em que acreditam, demasiado a sério. De certa forma, cultivam uma espécie de fundamentalismo intelectual que lhes serve para constituir tabus individuais "ex novo", de que os outros só tomam conhecimento depois de, inconscientemente, o quebrar. O efeito pernicioso é, naturalmente, o óbvio: o isolamento. Em geral, toda a gente se dispõe a discutir a bondade de uma opinião ou de uma ideia; mas ninguém, a não ser alguém munido de infinita paciência, se dispõe a tolerar, de forma serena, que lhe seja oprimida a liberdade de expressão apenas porque alguém "não consente".

Isto é aquilo a que nós, europeus, estamos habituados. Se um director de um jornal dinamarquês decide publicar "cartoons" sobre Maomé e o Islão, não tem consciência de que, com isso, vai suscitar um motim à escala civilizacional. Para nós, europeus, satirizar o Islão é tão brando e light-thinking como ironizar com o Vaticano, com Ratzinger ou com as testemunhas de Jeová. Os símbolos religiosos, no nosso pensamento laico, são, apenas, sociologicamente relevantes. A expressão herética é, há muito, um delito obsoleto, muito mais por efeito da fulanização desses símbolos do que por ganho de liberdade de expressão.

O reverso da moeda é a sobranceria com que olhamos para as nações espartilhadas por religiões fechadas e rígidas, instrumentalizadas a hegemonias necessárias à guerra santa. Extensos bocados do planeta onde nascem e se criam milhões de pessoas ensinadas a viver como um acto de fé, sem lugar para o individual, para a razão, para a dúvida. Não exercem qualquer direito à indignação, como justifica o Daniel Oliveira, mas apenas actos violentos de intolerância. Não exerce direitos quem não é livre.

O Islão não tolera as nossas francas liberdades ou, numa perspectiva mais pragmática, a bonomia ocidental à banalização do sagrado. Não descansará enquanto souber que nos amedronta com a violência da sua fé, alimentada, nessa violência, pelo desprezo "snob" que lhes votamos ao modo de vida, à profunda incultura, à ignorância. E o certo é que amedronta. Inquieta. Já vivemos apreensivos, atentos ao mundo árabe, a ver quando rebenta a bomba. Que rebentará, um dia.

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