Notas sobre pequenas contrariedades
O que chateia, mesmo, é que toda a gente esteja tão viciada em “comparar”. O Audi do vizinho do segundo esquerdo é mais caro do que o BMW do vizinho do segundo direito. A praia é melhor do que o campo. O campo é melhor do que a praia? Lobo Antunes será melhor do que Saramago? De frente ou de lado? Maria Filomena Mónica pode lá comparar-se à Susan Söntag? E o Porto é mesmo melhor do que Lisboa, do ponto de vista de um senegalês?Perdem-se, pelo caminho, as competências para definir sem relativizar. Nenhum conceito possui conteúdo próprio que não se situe perante a sua antítese, o seu superlativo ou a sua imitação. Esta obsessão instalou-se, viciante, nos raciocínios e opiniões de tal forma que o desassossego de muitos frequentemente depende de, perante um hipotético cotejo, a resposta lhes surgir, impiedosa, desfavorável a si.
É neste preciso momento que se manifesta a inveja. A inveja, da qual se diz à boca cheia ser feminina, da mesma forma que se diz ser de direita o ultra-nacionalismo. Enfim, são os efeitos nocivos das absurdas generalizações. Mas não faz mal; vive-se bem, com esse estigmático carimbo. Em nome da aproximação dos sexos - ideia que é tão acarinhada por tantos e tantas -, há, porém, que repor a verdade e a justiça. É comum, sabe-se, que uma mulher cause inveja a alguns (poucos)* homens - o que sucede, de resto, justamente por causa dessa socialmente correcta aproximação das oportunidades. Uma mulher em destaque torna-se, mais tarde ou mais cedo, vítima de ataques soezes, crus e ressabiados. Vêm por vezes de algumas (poucas)* mulheres, é certo, mas vêm, na mesma medida, de homens cujo demérito ou falta de empenho os impediu de alcançar a notoriedade que cobiçam. Se essa notoriedade pertencer a uma mulher, pior.
Uma mulher destacada por virtudes não estritamente reconduzíveis a umas boas pernas ou prendas semelhantes tem, sobre si, a espada pontiaguda do preconceito e da intolerância ao erro. Isso já se sabe. Na sua dimensão positiva, uma mulher que suscita ressabiamentos verbais/escritos representa uma ameaça. E, como também se sabe, só se sente a ameaça de quem é melhor ou de quem se suspeita ser. O que é bom sinal para quem, sem querer ou saber, ameaça.
Isto tudo, que já vai longo, não é um manifesto feminista. Disso eu não gosto, não lhe vejo qualquer préstimo e tenho como certo que a excelência e o mérito não só não dependem de proteccionismos como se secundarizam, se forem construídos sobre os alicerces errados. Muito menos é um recado, seja a quem for. Os blogues servem para tudo o que se queira: mostrar talentos, revelar segredos, derramar verrina, denunciar insuspeita arrogância e, até, para causar invejinhas de quem nem sequer mostra a cara. E, ainda, quando se quer e quando se impõe, para se ser solidário(a) nos pequeninos infortúnios que, seguramente, (quando muito) só arranham.
*Eu sou optimista.
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