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23.10.05

Parábola a despropósito

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É sabido que os cancros da tripa, em metastizando (espalhando-se) para o fígado, se transformam (nos transformam) numa questão de tempo.
Sendo a vida toda uma questão de tempo (o resto é uma espécie de folclore obrigatório, mais ou menos duradouro) que pasa?
Nada, hombre. No pasa nada. Quieres un chupito?

Acontece que, perto do fim, os tipos ficam assim, amarelos. E uns olhos amarelos não são folclóricos. São assim.

Por exemplo: Marcelo Rebelo de Sousa, se (um dia) vier a ter a sua bilirrubina à solta, pigmentando-lhe suas branquíssimas escleróticas, ficará com este olhar de medo. E tudo lhe parecerá menos dominável, mesmo do alto do seu pedestalzeco dominical, do que lhe parece agora.

"There are no more begginings", disse Steiner. Estava ictérico, Steiner? Estava? Então pode dizer o que quiser. As verdades brotam do recanto do cérebro que se encontra mais próximo da encefalopatia, em verdade vos digo. E a encefalopatia hepática é, muitas vezes, misericordiosa.

A Palmira é que já não diz mais nada, que morreu ontem.
A vida é um folclore que permite registos de demissão. Não?

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