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20.6.04

Horas amargas (epílogo) e a República Checa

Em dia de Portugal - Espanha, decisivo para o nosso (e dos espanhóis!) destino no Euro, nada melhor que pensar, por um bocadinho, noutras coisas.

Ontem, tinha-me faltado abordar as causas destas recentes greves de médicos e, ainda, estranhar a história das "horas extraordinárias assinadas de cruz". Tudo isto a propósito dum pertinente escrito do Vilacondense.
Vamos a isso?

1 - Como provavelmente sabem, há uns anos, ainda na vigência do governo anterior, foi sancionada uma pretensão antiga dos médicos que trabalham nos serviços públicos no regime de 35 horas semanais, sem dedicação exclusiva. A argumentação desses médicos, que colheu e motivou legislação (condicionada, no entanto, a determinados índices de produtividade), era a seguinte: médicos com o mesmo grau na carreira médica devem ser pagos, aquando da prestação de horas extraordinárias, pela mesma tabela horária.
De facto, o que acontecia (e ainda acontece, pelo menos em muitos hospitais, daí as greves), era cada médico ser pago pelo seu vencimento/hora, o que, como se compreende, provoca(va) situações de discrepância entre os médicos em 42 horas (e em dedicação exclusiva) e os outros, sendo a hora dos primeiros menos mal paga...
É isto que está em questão, duma forma simples: independentemente de se concordar ou não com as reivindicações dos médicos em 35 horas, o certo é que há dívidas a saldar. Dever a um médico é exactamente a mesma coisa que dever a uma farmácia, ao merceeiro, a um professor: é uma dívida.

Eu podia dizer que quando Leonor Beleza, no seu tempo de ministério, criou a figura da dedicação exclusiva (que eu adoptei, primeiro porque fui obrigado a isso, era interno, depois porque a escolhi, quando pude escolher, por acreditar nas virtualidades dum melhor serviço público se exercido em exclusividade), criou dois regimes de contratação paralelos na função pública. Podia dizer que os colegas que estão em 35 horas (a maioria, os mais recentes não sei) escolheram esse regime, que lhes permite trabalhar fora dos hospitais, nos seus consultórios e clínicas, para além do seu horário de trabalho. Escolheram-no, de facto, sabedores das regras do "vencimento/hora" que regem a função pública no que respeita ao pagamento de horas extraordinárias. Podia dizer que a isto se chama alterar, a meio, as regras dum jogo que nada teve de impositivo, na sua génese. Podia dizer que tudo isto dá a impressão dum certo "eu escolhi as vantagens dum regime que me permite ser profissional liberal, mas agora quero as outras vantagens, as que escolhi não ter...". Também podia dizer que não deixa de ser justo, pela regra básica do "trabalho igual, salário igual". E podia dizer outras coisas, mas penso que, como esclarecimento, chega.
As greves recentes são por este motivo. Eu não tenho feito estas greves. Mas tenho feito outras, por outros motivos que não vêm ao caso.
Afirmo apenas, porque se fala de greves, que as greves "self-service" de médicos, há uns anos atrás, foram uma das maiores vergonhas a que assisti na minha vida profissional: verdadeiras negações do legítimo direito à greve, que muito me aborreceram e denegriram, essas sim, toda uma classe. Mais um dos "favores" que alguns colegas insistem em fazer, às vezes, quase arbitrariamente, ao colectivo.

2 - Os dados que o Dupond refere são relativos a 2002. Ou seja, são dados "pré-SA". Ou seja: esses 257 milhões de euros não dependeram, na sua atribuição, no seu pagamento, de nenhuma assinatura de nenhum médico director de serviço. Todos esses pagamentos foram efectuados, unicamente, sob controle administrativo: dos serviços financeiros dos hospitais, do IGIF, do que quiserem, mas sem que qualquer médico (director de serviço ou não) nisso interferisse um nico que fosse.
Só recentemente, com o advento das SA, cada médico passou a ter de preencher, obrigatoriamente, no final de cada mês, a sua folha de horas extraordinárias. Esta folhinha é, depois, assinada e sancionada pelo director do serviço, após verificação. Isto causou alguma perplexidade à maioria dos colegas, embora soubéssemos ser prática corrente noutras empresas: mas nos hospitais não era. Lembro-me que, de início, nem sabia preencher aquilo. E de ter pensado: "isto agora é assim? eu ponho aqui as horas extraordinárias que quero e pagam-me? como é isto? que estranho!".

Mas não era tão estranho assim: logo no primeiro mês, fui chamado aos serviços financeiros para receber 218 euros, em cheque, porque me tinha enganado (em meu desfavor) no preenchimento das horas a que tinha direito. Interessante. Não é interessante pelo que isto representa de "olha o tipo, que honesto, que burrinho, enganou-se, pediu a menos, que interessa isto que o besugo agora diz, os outros se calhar enganam-se a mais!...e os directores de serviço assinam de cruz!" . Não senhores: isto significa que há efectivo controle administrativo, que não há nenhum "assinar de cruz para ganhar à fartazana".
Isto deveria, aliás, bastar para fazer pensar melhor os senhores da Associação dos Administradores Hospitalares, porque eles sabem muito bem que é assim que as coisas se passam; e que, ainda por cima, foram as SA, as recentíssimas SA, que ditaram estas regras!

Pronto, não vos maço mais com isto. Maçarei com outras coisas, seguramente, ou até com estas, mas agora vou entrar "em estágio": nadar e jogar a bola com os filhos. Não estou nada nervoso, e aconselho-vos a estarmos todos calmamente confiantes. Ora reparem: se ficamos agora todos nervosos só por irmos defrontar a Espanha, como é que ficaremos quando tivermos de jogar com a República Checa?

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