Desembarques
Tendo a desembarcar na emoção, como quase toda a gente, se a música adequada me enfeita os factos.Na Normandia, como em muitos outros lugares do mundo, morreram muitos homens (e algumas mulheres). Tempos loucos, como outros, agora. E bastaria o facto de terem morrido novos para me humedecerem os olhos. Sou sempre assim, com a porcaria da música, venha ela de dentro ou de fora de mim. Vem sempre de dentro de nós, eu sei, a porcaria da música.
Não sei explicar bem, pelo menos agora. Mas, à força de ler agradecimentos aos mortos da Normandia, parece-me que anda aí muita música no ar. Eles morreram (balas tão cegas!), e eu choro-os, certamente. Com a música adequada, ou em silêncio, eu choro-os. E respeito-os. Muito.
Respeito-os e respeito-me o suficiente para ter a certeza, no cume do meu choro, que não foi por mim que eles morreram. Nem por ninguém. Morreram e pronto, mataram-nos. Sei, no fundo de mim, que se morre muito mais por causa de alguém que por alguém. Não quero apoucar altruísmos, nem emporcalhar memórias. Mas os judeus e os eslavos dos campos arianos morreram por quem, nesse caso? E os polacos e os russos? Por quem morreram, os desgraçados? Morreram foi por causa , não é? Por causa dos mesmos, não foi?
Pois foi.
Eu só quero dizer que a morte não é dada a distinções. Acontece a cada um, no seu lugar e no seu tempo. Acreditem que não quero apoucar a morte, nem os mortos, nem sequer alumiar maneiras de morrer, enegrecendo outras que me convenham com menos luz.
Mas ainda gosto de escolher sozinho os meus heróis e os meus vilões. Dos meus vilões não quero saber, mas os meus heróis não precisam de morrer por mim. Basta morrerem-me.
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