La mala educación
Os críticos de Almodovar e os precipitados hão-de dizer que o tema do seu último filme é a homossexualidade de homens marcados por uma infância passada num culpabilizador colégio católico Franquista, onde eram vítimas de abusos sexuais. Hão-de dizer, provavelmente, que Almodovar acolhe, também neste filme, o tema dominante nos seus filmes anteriores - o da redenção da homossexualidade. Neste filme, contudo, os temas homossexualidade e pedofilia são apenas o ponto de partida para uma história que, na sua essência, dispensaria esses temas a não ser como pretexto. De facto, o filme não ataca, não moraliza, não conclui; apenas inquieta. Quando julgamos já ter assentes os traços de cada personagem e conseguir adivinhar o seu futuro, Almodovar inverte a lógica e desconstrói todos os arquétipos do bom, do mau, da vítima e do agressor, obrigando a que constantemente se recupere o fôlego depois da desilusão leviana com que nos deixamos convencer - pelo mesmo Almodovar - que os arquétipos lá estavam, certos, desde o início. Ignacio, que, quando criança, é belo e exala bondade em estado puro, transforma-se num adulto deprimido, descrente e fisicamente decrépito. Tudo errado. Voltamo-nos, então, para Juan, o voluntarioso irmão, que desde o início do filme queríamos que fosse Ignacio, que há-de servir de "anjo". Esse Juan que, descobrimos depois, é capaz de friamente decidir e mandar executar a forma de impedir Ignacio de continuar a incomodá-lo. Descobrimos, então, que ambos podem ser muito bons e muito maus em momentos diferentes, que ambos são, sucessivamente, anjos e demónios. O Padre Manolo, o padre católico e pedófilo que num filme banal seria o agressor, é, afinal, manietado e manipulado, em momentos diferentes, por cada um deles. "A visita" - o conto-lamúria que denuncia abusos sexuais num colégio católico - em que o filme se baseia, é apenas um acessório do filme que Almodovar habilmente enxerta dentro do filme, apenas para nos confundir e, sobretudo, para nos obrigar a, sózinhos, descobrir o sentido de tudo o que nos conta, em três tempos diferentes, sobre a vida de quatro pessoas envolvidas numa amálgama de culpa, vingança, descrença e... pasión - palavra que aparece escrita na última cena do filme, de onde todos eles partem e de que todos fogem.
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