blog caliente.

18.10.08

depois do Natal de quem? eu sei, eu sei.

Ele passou os últimos meses a negar-se. Pouco me importa que não acreditasse em mim, intriga-me mais que menosprezasse os sinais que o corpo lhe ia dando.
Foram mais ou menos seis meses disto.
Ele ouvia mal, para começar. Ouvia só o que lhe apetecia? Não, era mouco a tudo. Aos setenta e seis anos pode ter-se este tipo de hipoacusia global? Pode.
A operação aos intestinos tinha corrido bem?, perguntava ele, isto logo em Março. Tinha, dizia-lhe eu, aos intestinos tinha, o problema era o fígado, que estava cravejado de metástases, o mal às bolinhas a debilitá-lo. Então, ó senhor, mas eu do fígado não me sinto mal, dizia ele. Tratamentos desses, agora... Não me sinto mal, não quero, olhe que eu estou bem. Dizia ele. E eu rendi-me.
Não passo dum filho da puta de mãe imaculada. Rendi-me.

Já não diz mais nada.
A respeito deste homem, que me enervava sempre que me metia nas teias da sua surdez de casmurro - e era de quinze em quinze dias que me fazia isso, nos últimos seis meses, o que perfaz, vendo bem, apenas doze vezes, nem são muitas vezes nem vezes demais - digo apenas que morreu depressa. Mais depressa do que eu contava, mesmo sem os tratamentos que ele nunca quis.
Com os tratamentos, talvez morresse só depois do Natal, mas também poderia morrer no mesmo dia em que morreu, exactamente da mesma maneira, e olhem que já foi no dia dezdoutubro.

Claro, com tipos assim nunca saberei se vale a pena este jogo das apostas pequenas. Isto fode-me muito. Muito mais do que parece, mas eu quero que se foda.

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