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21.3.06

Pequenas coisas de besugo

Aos vinte anos reuniu a família e comunicou, arquejante, eminência de morte. Aquela veemência suspirante e angustiosa, assim proferida de leito antigo, causou efeito: toda a gente o chorou e ele deve ter apreciado, porque pensou que estava a ver como seria quando, de facto, perecesse.

Esta é a mentira número um dos jogos tristes com regras viciadas dos entes em ânsias: nunca se vê bem como seria antes de ser.

Aos setenta e picos, vai já na vigésima quarta convocatória familiar por morte eminente. Já vai faltando gente à encenação. Por vontade ou por falta de bilhete, convocatórias prévias para pradarias eternas. Dos que ainda assistem, já ninguém o leva a sério e, a bem da verdade, tem agora a desvantagem de já estar em seu tempo, quero dizer, "se se for agora, vai agora, em tempo mais oportuno". Isto desencoraja prantos e emoções verdejantes de "morreu tão novo". Só o sofredor eterno de si e só por si ainda acredita, aos setenta e sete anos, que ainda é cedo para si; os outros já não. Pela repetição, pela cronologia iterativa dos lustros, pela falta de dádiva e, sobretudo, porque as recorrências são inimigas da espontaneidade, são uma espécie de teatro a piorar, a ficar mais pífio com a repetição das mesmas matinées de autista.

Esta é a mentira número dois dos jogos tristes com regras viciadas dos entes em ânsias: há sempre lágrimas pelos maus actores, mesmo que eles julguem já não ter - nem tenham - direito a mais nenhum "encore"; nem a lágrima nenhuma.

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