A vida fora da estufa
Incontornável, apesar de algo absurda, a reflexão contemplativa provocada pelo fim de mais um ano civil sempre se cumpre. Ninguém espera que haja revelações que surjam de uma vez só, nos últimos dias de um ano, como se de um apoteótico final cinematográfico se tratasse. Nuns parcos dias, férteis de acontecimentos que se juntam, como as últimas peças do puzzle que nos faltavam. Seria quase redentora, embora eventualmente inoportuna, essa improbabilidade de nos colocarem perante as verdades escondidas ou perante as palavras antes silenciadas. Mas não é, de facto, senão uma improbabilidade.Queríamos ser meros espectadores de revelações alheias, supreendidos e assaltados de compaixão pelos segredos dos outros, certos da confirmação de que o Bom é inimigo do Mau e que cada um está distante do outro e equidistante de nós, que os conhecemos a ambos e os identificamos facilmente pelo contraste. Tão inábeis nós somos a gerir o lado que escolhemos, o lado do Bom em que acreditamos estar, cientes de que só somos agressores na reacção e que só reagimos em nome da defesa da nossa dor honrada, da nossa nobre intenção.
Não há religião, ideologia ou ética que nos ensine a linha estruturante da nossa acção, porque só o pensamento a determina, o nosso errático e individual pensamento, no qual só deixamos integrar o saber dos outros na exacta medida em que achamos que o saber dos outros nos entende. Na prática, estamos todos a sós com o nosso pensamento; e as nossas interacções, múltiplas, são uma sucessão, demasiado frequente, de equívocos.
Na verdade, queríamos que os outros fossem melhores do que nós.
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