Reflexões sobre referendos (4)
O fascínio dos referendos parece ter tomado conta da Lolita. É uma provocação, evidentemente. Ela sabe que eu não gosto de referendos.Os referendos são, geralmente, redutores. Basta pensar que para se conseguir fazer um referendo que aí vem é preciso arranjar uma pergunta simples, que possa ser respondida em sistema binário, sim ou não. Uma pergunta simples sobre questões complexas é a melhor maneira de encorajar muitas pessoas a "ir lá dizer o que pensam"; isto é terrível, porque a maior parte das pessoas, geralmente, pensam que sim, ou que não, o que não é grave, mas é porque sim ou porque não. Isto não é bom.
A mim, os referendos assustam-me. Mas podem fazer-se, pelos vistos. Andem lá, demitam-se, senhores deputados. Quando houver qualquer coisinha difícil de decidir, referendem-na: façam de conta que isso é normal, em democracia. E, pelos vistos, é.
Mas então, se se demitem assim, se se tornam povo igual ao outro povo em certos temas "delicados", sejam sérios: dispam as campanhas de esclarecimento e informação de qualquer coloração partidária. Abstenham-se de propaganda. Para os partidos, a gente já dá, nas eleições legislativas. Pensando nós que vós, os eleitos, eleitos estavam para a bonança e a tormenta. Mas não... é "mais ou menos quando calha"...
Nos referendos, ao menos nos referendos, sendo assim, calem-se. Deixem a "sociedade civil" (que é como agora se chama ao espectro populacional que somos todos nós, incluindo as nossas crenças e a nossa ignorância, a nossa vontade pensada ou o nosso impulso momentâneo, as nossas cólicas e a nossa flatulência, a nossa sabedoria ou a nossa indigência) resolver as coisas. Resolver sozinhos. Os senhores, a gente percebe, detestam sujar-se com coisas triviais. Os senhores lembram-se de nós sempre que acham que, em decidindo os senhores, alguém de entre nós pode lembrar-se, mais tarde, de quem decidiu. Isso pode arruinar carreiras políticas, é certo. Mas a vossa demissão pode fazer-nos pior: pode levar-nos à estagnação lamacenta das certezas fáceis em coisas difíceis, por inércia, ignorância ou manipulação. Pode levar à dialéctica dicotómica mais aberrante que há, ao polegar para cima ou para baixo do imperador romano, que era, entre punhaladas palacianas, glorificado pelo povo. Se o povo só entende gestos simples não se simplifiquem os gestos: ensinem-se, ao povo, as complexidades da linguagem gestual.
"Nós não votamos isso no Parlamento porque é uma questão da consciência de cada um!". Aproveitem a revisão constitucional para definir, muito bem, aquilo que "é da consciência de cada um", nesse caso. Talvez passemos a referendar quase tudo...
Eu, por mim, neste estadio da minha torpe existência, desde que não façam um referendo para ver quem ganha o campeonato nacional, já nem me chateio. Estejam à vontade. É que ganhavam os lampiões, pela certa.
A menos que não entendessem a pergunta.
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